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Quando a voz de uma mãe é silenciada, quem perde é toda a sociedade

“Quando a voz de uma mãe é silenciada, quem perde é toda a sociedade.”

No dia 10 de abril, durante a Audiência Pública promovida pela Câmara Municipal de Lagoa da Prata, com o tema “Políticas Públicas de Atendimento às Pessoas com Autismo”, a mãe Tamara Chaves começou a compartilhar sua realidade como cuidadora de um filho autista de suporte 3 — mas teve sua fala interrompida por falta de tempo.

O que ela tinha a dizer é urgente, verdadeiro e representa a dor e a luta de muitas outras famílias atípicas que enfrentam barreiras todos os dias.

Por isso, consideramos fundamental abrir este espaço para que sua voz seja ouvida na íntegra. Porque a luta por dignidade não pode ser interrompida.

A seguir, o discurso completo de Tamara Chaves:


DISCURSO PARA A AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE O AUTISMO

Boa noite a todos.

Hoje, eu poderia estar aqui apenas para falar sobre o que aconteceu comigo e com meu filho no dia 18 de fevereiro, quando passamos uma hora e 36 minutos na recepção de um hospital, com ele em crise, febril e sem atendimento prioritário. Mas essa luta não é só minha.

O que aconteceu comigo acontece todos os dias com outras mães. E por isso, eu não estou aqui apenas para contar a minha história, mas para levantar questões que precisam de respostas.

📍 1. Atendimento prioritário na saúde: a lei existe, mas não é cumprida

A primeira questão que eu levanto hoje é: por que crianças autistas ainda não têm o atendimento prioritário garantido na rede pública de saúde?

📌 No dia 18 de fevereiro, eu vivi isso na pele. Imagine você, mãe típica, ficar esperando atendimento por uma hora e 36 minutos, com seu filho vomitando e com febre de 39°C.

📌 Eu cheguei às 11h42 e só fui atendida às 13h18. Disseram que foi por causa de uma urgência que chegou. Mas essa urgência só chegou às 12h06. Então, havia um intervalo de tempo antes disso em que meu filho poderia ter sido atendido.

📌 E outra pergunta: se havia clínicos gerais disponíveis atendendo outros pacientes, por que meu filho foi impedido de ser atendido por um deles?

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Berenice Piana garantem prioridade absoluta no atendimento de crianças autistas. Mas na prática, essa prioridade não existe.

E quando eu expus essa realidade, ao invés de reconhecer o erro e buscar soluções, fui atacada publicamente pelo prefeito.

Quantas outras mães passam por isso todos os dias, sem ter voz para denunciar? Até quando vamos precisar brigar pelo que já deveria ser garantido por lei?

📍 2. A troca de professores em abril: quem sofre são as crianças

O segundo ponto que eu trago hoje é a troca repentina dos professores de apoio.

📌 Crianças autistas precisam de rotina e previsibilidade. Elas constroem vínculo e confiança com seus professores de apoio.

📌 Agora, em abril, muitos desses profissionais serão substituídos sem qualquer planejamento para minimizar o impacto na vida das crianças.

📌 E quem sofre com essa falta de estrutura? As crianças e suas famílias.

Não é culpa das crianças que faltam profissionais. Mas, mais uma vez, são elas que pagam o preço.

A Lei Brasileira de Inclusão determina que qualquer decisão deve ser tomada pensando no melhor interesse da criança. Então, eu pergunto: onde está o melhor interesse das nossas crianças nessa troca repentina?

📍 3. O CEMAE e a fila de espera sem fim: quantas crianças ainda terão que esperar?

O terceiro ponto que precisa ser discutido é a fila gigante do CEMAE.

📌 Muitas crianças autistas precisam de atendimento multidisciplinar com fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais.

📌 Mas a fila de espera é absurda! Crianças passam meses aguardando atendimento. Algumas sequer chegam a ser atendidas antes de avançarem para outra fase da vida, perdendo janelas essenciais de desenvolvimento.

📌 E quando finalmente conseguem atendimento, muitas vezes são “desligadas” por alta administrativa, sem que os pais tenham qualquer controle sobre esse processo.

Como garantir que essas crianças estão realmente prontas para deixar o tratamento? Quem decide isso? Onde está a transparência nesse processo?

📍 4. Os exames em Igarapé: uma jornada desumana para crianças autistas

O quarto ponto que eu trago hoje é sobre as mães que precisam levar seus filhos para exames em Igarapé.

📌 Para muitas famílias, essa viagem longa é um pesadelo.
📌 Os motoristas não estão preparados para lidar com crianças autistas.
📌 Não há estrutura mínima para as mães e filhos que dependem desse serviço.

Como esperar que uma criança autista, que tem dificuldades com ambientes desconhecidos e mudanças na rotina, suporte uma viagem dessa forma?

O mínimo que se espera é que a cidade ofereça um atendimento digno e humanizado para essas crianças e suas mães.

📍 5. Quem cuida de quem cuida? A saúde mental das mães atípicas

E por fim, eu faço uma pergunta: até quando as mães atípicas terão que brigar pelos direitos de seus filhos?

📌 Nós não estamos pedindo favor. Nós estamos lutando pelo que já é garantido por lei.

📌 Mães de autistas abrem mão de carreiras, de sonhos e, muitas vezes, da própria saúde mental para garantir que seus filhos tenham o mínimo.

📌 Para ter acesso a um benefício financeiro, precisamos estar na linha da miserabilidade. Se tentamos trabalhar, perdemos o auxílio, como se tivéssemos que escolher entre sobreviver ou cuidar dos nossos filhos.

📌 Não há suporte psicológico para mães que enfrentam depressão, ansiedade e esgotamento.

Se uma mãe atípica desiste, quem cuida dessa criança? Ninguém.

O que a cidade tem feito para apoiar essas famílias? Onde estão os programas de suporte financeiro, psicológico e profissional para quem dedica a vida ao cuidado de uma pessoa com deficiência?

📍 6. A força da população: até quando vamos esperar por tragédias para agir?

Agora, eu quero trazer uma última reflexão.

📌 Quando aconteceu o último ataque em escola, a população inteira se mobilizou. Foram criados grupos, reuniões com o prefeito, pressão nos vereadores. As pessoas exigiram segurança nas escolas.

📌 Algumas medidas foram tomadas. Mas por quanto tempo o assunto continuou sendo prioridade?

📌 Será que vamos ter que esperar outra tragédia acontecer para lembrar que algo precisa ser feito?

A força da população tem impacto nas políticas públicas. E hoje, eu pergunto: por que essa mesma força não se une para cobrar os direitos das crianças autistas e suas famílias?

Por que o grito de uma mãe atípica, que luta pelos direitos do seu filho, não mobiliza toda a cidade da mesma forma?

📢 CONCLUSÃO: NÓS NÃO VAMOS NOS CALAR

📌 Queremos atendimento prioritário real, não apenas no papel.
📌 Queremos professores de apoio fixos para nossos filhos, sem mudanças bruscas no meio do ano.
📌 Queremos que o CEMAE funcione de verdade, sem filas intermináveis e altas forçadas.
📌 Queremos dignidade para as crianças que precisam viajar para exames.
📌 E queremos suporte para as mães que dedicam suas vidas aos seus filhos.

Eu não estou aqui apenas por mim. Estou aqui por todas as mães que sofrem caladas. Estou aqui por todas as crianças que têm seus direitos negados.

O que será feito a partir de agora? Porque se nada for feito, nós não vamos nos calar.

Muito obrigada.


Robson Moraes

Robson Moraes Almeida, Farmacêutico, Bioquimico, Retratista e Editor do Lagoa da Prata Ponto Com

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